SANDRA FELZEN
BRASILEIROS EM FLORENÇA - RUY SAMPAIO
Curador
Rio de Janeiro, fevereiro de 2019
PAISAGEM IMERSA - JAIR DE SOUZA
Designer e Diretor de arte
Rio de Janeiro, dezembro de 2016
CONSERVAÇÃO E MUDANÇA - GRACIELA KARTOFEL Historiadora de arte, Curadora e Crítica
Nova York, junho de 2009
Jornalista
Rio de Janeiro, 2006
Artista, Professora e Doutora do Centro de Letras e Artes da UNIRIO
Rio de Janeiro, 2004
MUITO AQUÉM E ALÉM DO JARDIM - ORLANDO MOLLICA
Artista plástico e Professor da Escola de Artes Visuais
Rio de Janeiro, maio de 2001.
Crítico de arte
Rio de Janeiro, outubro de 1997
A TELA, TERRA DA ARTE - ARMANDO MATTOS
Artista plástico
Rio de Janeiro, outubro de 1991
Curador, Crítico e Professor do Departamento de Artes do City College
Nova York, maio de 1989
ESTUDOS E PINTURAS - AVRON J. SOYER
Artista plástico e Professor de pintura da New School
Nova York, julho de 1986
GERMINAÇÕES
A pintura de Sandra Felzen nasce na terra. Brota de um suporte essencial. Pois a terra, assim como qualquer pintura, é um antivazio. Matriz de criação. Ocupação do espaço em branco com matéria colorida, arrepiada em texturas. Que pode ser refeita em novas cores ou volumes inéditos, numa alquimia de emoções. Ou desbastada por meio de ranhuras, porque criar também é subtrair.
A terra-pintura de Sandra Felzen chega aos nossos olhos em camadas. Evidenciando a passagem do tempo, a arqueologia do próprio ato de pintar. Revelando como o tempo é um artista natural, que deixa no solo e nos seres gravuras de belezas e cicatrizes. Mostrando também as passagens da própria artista no tempo de criar: cada tela é um poema ótico que superexpõe o processo incessante da criação e da destruição. Da superposição e do desaparecimento. A pintura, assim como toda vida orgânica, é produção de metamorfoses. Da terra-mãe plasmada por Sandra brotam troncos de árvores, demarcando a potência vertical dos seres vivos, que se projetam para o alto, no esforço de crescer e superar os próprios limites individuais.
A artista iniciou sua trajetória em Nova Iorque, onde aprendeu pintura com Avron J. Soyer, na New School da Quinta Avenida. Um período feliz, pois Soyer foi um professor de largos horizontes, que estimulou intensivamente sua expressividade. Estudou também desenho por cinco anos com Carol Bruns, artista do Soho. Bruns a impulsionou na direção da inventiva, do gesto criativo que se abre sem medo de irradiar o interior da alma. Nesse tempo de fecunda aprendizagem, a artista vivenciou a arte figurativa. A princípio desenhou e pintou mulheres, imersas em jogos simbólicos com a natureza. Eram trabalhos líricos e marcadamente femininos, alguns inspirados na antiga tradição hebraica.
O contato com a obra de Gustav Klimt a fez descobrir o fascínio que sente até os dias de hoje pelos arabescos, pelos padrões rítmicos de forma e cor, pela experimentação livre das tonalidades e pela ocupação do espaço plástico com estruturas e recortes que lembram a arte dos mosaicos. Sua atenção voltou-se então para a vegetação, para as copas das árvores que pairavam sobre flores multicoloridas no solo. Neste processo, a figura humana foi desaparecendo gradativamente de seus quadros. A artista reconheceu no mundo vegetal os signos essenciais da vida sobre o nosso planeta. Seu olhar desceu então das copas das árvores para a terra, onde ela descobriu o fetiche das camadas geológicas, cuja história passou a contar através de cores e texturas. E suas mãos começaram a desvendar (e a reinventar) as matérias desse ventre telúrico, que abriga o milagre das sementes, base maternal de todo crescimento.
De volta ao Brasil, Sandra radicou-se no Rio e começou a expor em 1986, quando fez sua primeira individual na antiga Galeria SKM.
Sua pintura já se tornara, então, um jogo crucial: da matriz terrena, com seu plasma de camadas superpostas, filhas de tempos diferentes, emergiram troncos de árvores estilizados na simplicidade das linhas retas. A artista descobriu seus motivos plásticos essenciais, que ela bem resumiu no título de uma de suas exposições posteriores: “Troncos e Camadas”.
As telas de Sandra tornaram-se, a partir de então, diagramas dialéticos. Há nelas uma tensão visível entre a figuração, calcada no essencial da forma (no retrato estilizado dos elementos naturais) e a proposta abstracionista das texturas, arabescos e florações do colorido. Nessa dupla linguagem, veio inserir-se uma terceira dimensão: o acréscimo, por colagens, de elementos como tecidos, fiações, cascas de árvores e sementes naturais. Esse novo procedimento foi conseqüência das aulas que teve com Katie Van Scherpenberg, que a incentivou a experimentar com materiais diversos, a preparar a própria tela, enfim a fazer da pintura um laboratório de possibilidades de expressão, em sintonia com os valores da arte contemporânea. Em alguns quadros, é a verticalidade dos troncos e suas ramagens que impera, contra um fundo de texturas trabalhadas com paciente prazer. Em outros, é um mosaico urbano que aparece (muros), mesclando uma expressão construtiva com arabescos florais e seus onipresentes troncos de árvores.
Hoje a arte de Sandra ingressou no difícil reino da serena simplicidade. Com toda a potência de sua alquimia intuitiva, na qual é visível a alegria de chegar à beleza imprevista, à descoberta de cores dentro das cores, de matérias experimentais, de relevos e padrões nascidos de puro gozo estético. Ou trazendo à luz, pela raspagem, formas ocultas como grãos no ventre da terra, à espera do momento mágico da germinação.
As pinturas de Sandra Felzen brotam de uma substância universal (a terra) e condensam matéria viva, que procura e encontra a beleza, numa singular harmonia visual. Doces paisagens, que chegam aos nossos olhos como frutos maduros e luminosos.
MÁRIO MARGUTTI
Rio de Janeiro, outubro de 1997